Capítulo I
- compagnonmm
- 22 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 3 de fev. de 2023
- Mairon Compagnon
“Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
-Frederick Nietsche
O relógio da cidade marcava meia-noite. Porém, diferente dos relógios modernos dos grandes centros urbanos, não havia badalar ou qualquer som que marcasse a mudança de dia. Consequentemente, as ruas estavam desertas, a não ser por alguns mendigos que insistiam em encher a cara e permanecer em sua vida medíocre sem sequer se importar que a sua única cama seja um chão frio.
Diferente dos outros dias, essa noite não tinha luar. Não era como se a lua só fosse aparecer de madrugada ou se já estivesse ido embora, na verdade, parecia que ela havia sumido e nunca mais voltaria, deixando tudo em uma escuridão total, afinal, até as estrelas insistiam em não brilhar essa noite.
– Bom, acho que a natureza está a meu favor. Vou levar isso como um recado de que realmente tenho que fazer o que vou fazer. - disse um homem encapuzado enquanto andava em direção a um gerador de energia. – Agora é hora de começar a brincadeira. - ele então desligou o gerador e logo a fábrica que estava a sua frente tornou-se tão escura como aquela noite e qualquer um que passasse por perto nem notaria que aquele prédio estava ali.
O homem misterioso entrou pelos fundos em silêncio total, era como se um gato assassino… Não, era como se um leão que observava suas presas, estivesse pronto para fazer sua refeição.
Gritos de socorro vinham do final do corredor. Pode ser difícil de acreditar, mas o pedido de ajuda ecoava mais alto do que os barulhos dos tiros. Se aquela fábrica não fosse tão grande, ou reforçada para que nenhum ruído saísse dali, com certeza os vizinhos já teriam ouvido e provavelmente a polícia estaria cercando o prédio nesse instante, jogando todos os planos daquele homem pela janela.
Pelo chão do armazém, há corpos e mais corpos estirados. Homens maiores que um armário foram estrangulados, decapitados ou tiveram alguns dos seus membros mutilados. O sangue escorria pelas paredes e pelas máquinas. A cena era a pior possível.
No fim do corredor ficava a sala do presidente. Alguém havia ajeitado corpos cuidadosamente como uma ponte até a porta e fez questão de andar por cima deles. Dentro da sala a cena se repetia: alguns corpos espalhados pelo chão, sangue por todos os lados e na mesa havia um braço cobrindo a placa com o nome do presidente da fabricar, Edgar Rodrigues Cruz.
Estranhamente a sala estava quase escura, quem tinha feito toda aquela chacina fez questão de atirar nas lâmpadas, deixando a luz que vinha do corredor iluminar a sala. Pela penumbra, dava para ver duas pessoas lutando. Bem, parecia mais um boxeador socando um saco de box sem parar. Um homem alto, moreno, vestindo uma roupa preta e capuz acabava de chutar contra a parede um homem branco, de cabelos pretos e uma grande cicatriz que ia do olho até a boca. Seu terno estava manchado de sangue e com certeza tinha acabado de quebrar alguma costela.
– Ah, desculpa! Eu te machuquei?! - falou o homem encapuzado enquanto fazia uma cara de surpresa.
– Seu doente – disse Edgar sentando de frente para o seu carrasco. Pela sua boca escorria um pouco de sangue devido aos seus ferimentos.
– Você tem razão! Eu sou doente. E quer saber de uma coisa, adorei sentir o sangue dos seus homens escorrendo pelas minhas mãos. - falou o homem encapuzado enquanto pisava no ombro de Edgar.
– O que foi? Isso tá doendo? Desculpa, eu prometo não fazer de novo, mas garanto que isso vai doer bem mais. – Ele, então, tirou o pé do ombro da sua vítima e, sem titubear, disparou.
Edgar colocou a mão direita sobre o seu ombro esquerdo, fechou seus olhos e uma expressão de dor tomou conta do seu rosto, mas o homem encapuzado não deu tempo para que ele sentisse dor o suficiente a ponto de desmaiar e então, sentou sobre os joelhos da sua vítima puxando e quebrando a sua mão esquerda, após isso enfiou o dedo no seu ombro e começou a procurar a bala. A dor que Edgar sentia o fazia gritar sem parar.
– Ei, xiu. Fica quietinho, fica! Estou tentando tirar a bala, sabe como é... é sempre bom ajudar o legista – enquanto gritava, o homem encapuzado enfiou a arma na boca da sua vítima – mais um piu e eu atiro.
O sangue que escorria pelo ombro de Edgar manchava toda a sua roupa de seda.
– Oh, me desculpe por isso. Eu, eu não queria que logo o seu sangue sujasse esse lindo terno. Mas vejo que o senhor usou bem o dinheiro que conseguiu ao vender todas aquelas crianças, não é mesmo?! - enquanto dizia isso, o homem encapuzado escreveu com sangue na testa de Edgar: VITOR.
– Pronto, Dr. Edgar, sua tatuagem está pronta, pena que sai com água e será um desperdício tirarem ela quando fizerem a autópsia do seu corpo. – Vitor levantou-se e apontou a arma para um dos olhos de Edgar – Bom, Doutor, agora chegou a sua vez! Mas eu prometo que não vai mais sentir dor.
– Espere – disse Edgar – Você está fazendo isso só por causa de algumas crianças?
– Cala a boca! Quem lhe deu permissão para falar? – gritou Vitor.
– Você é mesmo um idiota! Essas crianças não iam chegar a lugar nenhum. Eles só tinham um dos pais, viviam a beira da sociedade e sequer iam pra escola. Mas dai você aparecesse aqui, mata todo o meu pessoal, só por causa de uns lixos como eles. O máximo que essas crianças iriam ser, era alguém como você! Apenas mais um assassin... – Antes que Edgar terminasse de falar, Vitor chutou sua cabeça. Seus ouvidos zumbiam, seus olhos enchiam-se de sangue, uma baba espessa escorria pela sua boca junto com sangue.
– O que foi? Não consegue mais falar nada?! É bem melhor assim – após falar isso, ele voltou a apontar uma arma para a cabeça de Edgar – A partir de agora, você não vai falar nunca mais.
Antes de atirar, Vitor ouviu uma voz na sua mente dizendo: “não mate-o, não vale a pena”.
– Cala a porra da boca – gritou – Ele merece morrer! A existência de alguém como ele fere tudo aquilo que eu acredito, fere tudo aquilo que ela um dia acreditou.
Então o som de dois tiros ecoaram pelo pela sala. Edgar agora era apenas mais uma parte daquele cenário terrível.
– É, está feito. Hora de ir pra casa – ele virou-se e foi em direção a porta. - Agora que o serviço está feito, eu preciso de um belo banho de espuma.
Vitor saiu da sala, andou por cima dos corpos até o final do corredor como se houvesse apenas o chão a baixo dos seus pés.
Quando estava perto da porta, ouviu a voz de alguém:
– Por favor, me ajuda. - Um homem caído no chão esticava seus braços tentando alcançar a perna de Vitor – por favor.
Sem nenhum remorso, ele sacou a arma e atirou no homem, mas a arma estava descarregada.
– Ah, droga. Parece que vou ter que te matar na faquinha. Mas calma, vai ser rápido.
Vitor deu um longo sorriso e tirou a facada sua cintura desferindo um golpe na cabeça do homem que agora estava morto. Depois de tirar a faca, ele a limpou na roupa de um corpo ao seu lado e guardou na bainha.
Quando se aproximava da porta, acabou pisando em um olho.
– Ah, que nojo. Isso é seu? – disse enquanto olhava para um dos corpos no chão – Bem, tanto faz, você já morreu mesmo. Ah, olha, uma carteira.
Já na porta ele pega a carteira e começa a olhar.
– Uh, um documento. Vamos ver, Paulo Vitor Souza Santos, que nome lindo. – após isso, ele jogou todos os documentos no chão deixando apenas o dinheiro na carteira. - É, só isso?! Ta bom, pelo menos não sai de mãos vazias.
Vitor acabou saindo por umas das portas laterais, a qual dava direto em uma rua escura e estreita. Quando chegou na avenida, deu de cara com um morador de rua.
– Ei, senhor. Tudo bem? Boa noite. Me arranja um dinheiro aí, tô com fome! – disse o bêbado enquanto estendia a mão.
Vitor olhou para o bêbado e falou:
– Tu vai é comprar bebida. Não adianta disfarçar.
– É não, senhor. Eu tô com fome.
– Fome?!.... tá, pega logo isso ai – Vitor jogou a carteira em cima do homem – sorte sua que estou de bom humor hoje.
Após isso, ele passou pelo bêbado sem dizer uma palavra. Uma expressão séria tomou seu rosto. Vitor não parecia se importar com o sangue, as vísceras e os outros tipos de coisas que estavam sobre ele, a única coisa que queria agora era chegar em casa.
Dez minutos se passaram e finalmente ele havia chegado. Estranhamente agora ele começava a agir como uma pessoa normal, deu comida para seu gato, tomou um belo banho e pegou um remédio para dor de cabeça.
– É, Mailon! Agora é hora de dormir.
Vitor tomou remédio, deitou-se na cama e então, como se nada tivesse acontecido, dormiu.
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