Doce Tempestade
- compagnonmm
- 27 de mar. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 3 de fev. de 2023
-Por Mairon Compagnon
Releitura da música Kawaki wo Ameku
Eu não conseguia enxergar nada na minha frente, apenas um borrão cinza, era como se eu estivesse dentro de uma nuvem de chuva, pronta para começar uma tempestade.
Tentei chamar alguém, mas minha voz não saia. Tentei correr, sair dali, mas por mais que eu corresse mais rápido que eu consegui, parecia que eu não estava saindo do lugar. Era um horrível pesadelo que parecia que não ia acabar.
Depois de muito tempo correndo, o ar começou a ficar mais denso, tive que para se não ia acabar desmaiando por falta de ar, afinal, nunca fui uma atleta muito boa. De repente uma luz vermelha passou por mim. Não consegui distinguir o que era, mas a luz despertou em mim um sentimento tranquilizador.
Quando dei por mim, algo vermelho brilhava no meu ombro, era uma linda borboleta. Por algum motivo com o bater das suas asas ela parecia me dizer que iria ficar tudo bem. E então, um relâmpago rompeu o céu. Quando parecia que iria começar a chover, eu simplesmente acordei.
O relógio apontava 7:30 am, a luz do sol fazia um tremendo esforço para passar através das cortinas do meu quarto, já estava mais do que certo, havia amanhecido e, mais uma vez, eu passei outra noite em claro pensando em alguém que não merecia toda essa atenção.
Solte um gemido de sono enquanto me espreguiçava.
– Tá tudo bem. Foi só mais uma noite mal dormida. Eu, eu estou bem – disse pra mim mesmo enquanto esfregava meus olhos que não paravam de arder.
Sai da cama cambaleando até a porta do banheiro, meu corpo estava pesado demais. Tirei meu pijama e entrei no chuveiro, torcia para que a água fria me despertasse e tirasse de mim toda a tristeza e melancolia da noite anterior. Evitei pensar em qualquer coisa, deixando apenas a água levar tudo embora. Quando finalmente saí do banheiro, estava me sentindo renovada.
Após me secar, peguei meu celular enquanto me vestia. Quando dei por mim eu já estava gritando de raiva.
– Merda – esbravejei enquanto jogava meu celular na cama – Tá tudo bem. Vai ficar tudo bem. Hoje eu vou lá ver ele e eu acabo logo com isso.
Há dois anos comecei um relacionamento com alguém. No início tudo era lindo e isso fez com que eu me apaixonasse muito rápido. Mas hoje em dia, o nosso relacionamento virou um desastre e por mais que algo em mim ainda queira ficar com ele, eu não posso mais sofrer assim por alguém que se importa mais comigo.
Peguei minhas coisas e abri a porta, um vento frio percorreu o meu corpo. Instintivamente olhei para o céu e foi então percebi, uma forte chuva estava sendo anunciada em pleno final de verão.
- Chuva nessa época do ano?! Que estranho. Bom, acho melhor eu me apressar.
É estranho chover nesta época do ano, principalmente na minha cidade. O inverno não é muito rigoroso e meses atrás estávamos na época das flores. Tudo estava tão lindo. Não consigo imaginar que logo quando o outono ia começar, uma tempestade estava tirando a cor e a beleza que o alaranjar das folhas traria para a cidade.
Assim que tranquei a porta, vi uma borboleta pousar perto da janela, ela parecia tentar se abrigar do que, para ela, seria um dilúvio. Sua coloração era linda. Um vermelho vibrante que chamava a atenção de qualquer um e até onde eu saiba, sua chegada era um aviso para ficarmos atentos para tudo que estava por vir.
Meu pai sempre me falava dos bichos, era fissurado em biologia, sabia tudo e muito mais. Ele era um pesquisador, vivia catalogando espécies e estudando os seus comportamentos, e por mais que eu não me lembrasse o nome daquela borboleta, as suas palavras ao descrever o quão incrível elas eram não saiam da minha cabeça: “As borboletas dessa espécie não precisam se comunicar. Na hora do acasalamento, elas se entendem só com suas frágeis asas batendo. Isso não é muito encantador?”, após isso ele sorria e fazia com que a frágil borboleta voasse pelo céu.
Assim que tranquei a porta, a borboleta voou para longe, adicionando um pouco de cor na imensidão cinza do céu. Assim como ela, eu também deveria seguir.
Após alguns minutos andando, finalmente havia chegado, a casa dele não era muito longe da minha, era no máximo uns 15 minutos de caminhada. Fiz menção que tocaria a porta, mas um sentimento estranho habitava meu peito, uma dúvida instalava-se na minha cabeça e parecia que o céu estava correspondendo os meus sentimentos: acabava de começar a chover.
Fiquei um tempo parada do lado de fora esperando, tinha acabado de tocar a companhia, e diferente do que parece, a chuva que caia em mim me aquecia e acalmava meu coração.
Quando a porta se abriu, me deparei com uma pessoa diferente daquela que eu conhecia, tudo bem que sua aparência ainda era a mesma de antes, um rapaz magro, alto, de cabelos pretos e pele parda, mas a sua aura estava diferente e eu não sabia explicar por que eu tinha essa sensação, parecia que o os seus olhos castanhos tinham perdido a cor e agora só restava um vazio.
– Ah... oi, amor?! – disse ele com uma voz surpresa – o que você está fazendo aqui?
– Eu... nós, precisamos conversar – meu coração começou a acelerar.
– Tudo bem! Pode entrar – ele então abriu a porta e foi para atrás dela – não repara na bagunça, mas é que não deu tempo de limpar, ainda.
– Ah, tudo bem – disse enquanto entrava. Vi meu reflexo de relance no espelho que ficava no canto da sala, eu estava pálida. Mas isso não importava muito, afinal, dificilmente ele notaria isso.
Ele ficou em silêncio por um instante enquanto fechava a porta e aproveitei para me secar com uma toalha que tinha trago na bolsa.
– Por que você está molhada assim? – disse ele meio sem graça
– Está chovendo lá fora e eu fiquei te esperando na chuva mesmo – disse enquanto evitava olhar no seu rosto.
– Ah, sim. Mas você não pode ficar fazendo isso, pode pegar algum resfriado. – disse ele enquanto pegava um copo d’água na cozinha.
– E agora você se importa? – disse enquanto o encarava mesmo de longe. Segurei a toalha com forças na minha mão, algo em mim pedia para eu manter a calma. Mesmo que a minha resposta deixasse qualquer pessoa, no mínimo, assustada, ele permaneceu calado e sério.
– Certo! Então, me diz, o que você veio fazer aqui?! - o seu rosto inexpressivo me deixou irritada.
– Puta Merda! Como você consegue ser tão estúpido assim?
- Se você veio até a minha casa só pra me ofender acho melhor você ir embora, se acalmar um pouco e, quem sabe, voltar amanhã.
- Tudo pra você parece um jogo, né?! Uma brincadeira! – gritei sem ao menos entender como pude explodir tão rápido assim – quantas vezes você já fez isso? Quantas vezes já agiu despreocupado em situações sérias como essa.
– Ok... então o que você quer de mim? - disse enquanto sentava em uma cadeira bem na minha frente.
– Primeiro eu quero que você para de mentir pra mim, pra nós dois. Depois, quero que você pare de tratar meus sentimentos como se não fossem nada. Cansei disso – joguei a toalha em cima dele enquanto falava. Por um instante percebi sua expressão ficar triste, mas logo ele já estava sorrindo ironicamente.
– Eu nunca menti pra você. Nunca mentiria. – disse ele enquanto vinha até mim – Por que eu faria isso?
– Quantas vezes você vai continuar dizendo isso? Quantas vezes vai dizer frases, palavras vazias, que no fim, nem você acredita? – meus olhos ardiam de raiva.
– Eu ainda não entendi porque você ficou assim. – disse ele espantado - Mas tudo bem, você só está com raiva. Mesmo assim, apesar de tanto estresse e gritaria, eu quero que saiba: eu ainda te..... - antes que completasse a frase dei um tapa no seu rosto.
Minhas mãos tremiam. Eu estava pálida e prestes a chorar. Lentamente fui me afastando enquanto gritava:
-JÁ CHEGA! Eu não quero mais ouvir que você me ama. Não quero mais saber de nada relacionado a.... - após isso ele me abraçou, não era como se eu já não esperasse isso, afinal, nossas brigas sempre acabavam dessa forma, em um longo abraço, era como uma calmaria depois de uma tempestade, depois daquela confusão. Porém, dessa vez ia ser diferente, dessa vez eu não queria mais voltar para o mesmo velho ciclo.
– Me larga – gritei enquanto o empurrava e me desvencilhei de seus braços. – quer saber de uma coisa, eu vou embora.
– Calma, amor. - disse ele enquanto tentava me puxar pelo braço.
– Deixe-me ir. – gritei – Não precisa se preocupar, eu não vou te odiar pelas coisas que aconteceram. Só vou desejar que nunca mais nos encontremos por ai. Pra mim chega. Já cansei de ouvir sempre as mesmas coisas. Depois de tanto tempo, finalmente essa isso tudo chegou ao fim.eu consigo olhar para você e dizer que esse é o nosso fim. – estava tremendo, relutante, queria voltar para o abraço dele, mas eu realmente tinha que pôr um fim naquilo tudo e finalmente eu tinha coragem pra isso.
Bati a porta sem olhar para trás. A chuva estava grossa, rápida, mas em vez de doer, cada gota trazia uma sensação de paz. Fechei meu guarda-chuva e fui para casa.
Mesmo que a chuva não parasse de cair, eu fazia questão de fechar meus olhos e sentir a sensação calorosa da água me molhando, por um instante senti como se estivesse tendo um dejavu e que algo que eu havia sonhado algumas vezes havia realmente acontecido. A chuva havia limpado tudo de ruim que estava em mim, finalmente eu estava livre e quando, enfim, abri meus olhos, uma borboleta vermelha pousava de novo na varanda da minha casa.
Soltei um leve suspiro enquanto ia em direção a minha casa.
– Afinal, isso não é muito mais encantador?!
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